sábado, 21 de maio de 2011

O pobrema dos livro do Méc

Um livro de português que ensina a falar errado deu manchete no Jornal Nacional, foi assunto no JC e ajudou a vender jornal no país inteiro. A polêmica tá na boca do povo!

O povo está perdoado. Já as reportagens, na grande maioria, condenam a obra, condenam o Ministério da Educação (MEC) e condenam a má educação brasileira. Mas pouquíssimos artigos que li explicam direito o que está acontecendo. O que houve de fato? Qual a polêmica? E por que virou um escândalo?

Pra quem não sabe, é o seguinte: o MEC distribuiu nas escolas o livro didático "Por uma vida melhor", elaborado pela ONG Ação Educativa. E por que o MEC comprou esse título? Porque todo ano o Ministério, através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), avalia e adquire das editoras milhões de exemplares de livros, distribuindo-os nas escolas a fim de serem utilizados em sala de aula.

O escândalo surgiu porque, logo no capítulo 1, intitulado "Escrever é diferente de falar", a obra traz estas três frases: "Nós pega o peixe"; "Os menino pega o peixe", e "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado". A polêmica ficou escancarada com as reportagens condenando a obra como se ela só mostrasse que é correto falar errado, em vez de ensinar a regra culta do português. Mas daí surgem os problemas, pois os jornais não mostram que os autores dão sim a regra culta. E o curioso é que a própria Ação Educativa oferece grátis em seu site o polêmico capítulo do livro na íntegra e, para a imprensa, apresenta um "kit de informações sobre o caso", além de outros artigos afins, disponibilizando ainda os contatos de 13 especialistas no campo linguístico.

As reportagens que vi na televisão citam a obra assim: "'Os livro ilustrado [...] estão emprestado.' O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural". Fecham aspas e ponto.

Mas é vírgula, pois o trecho completo continua: "Reescrevendo a frase no padrão da norma culta, teremos: 'Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados'." Ou seja, os autores ensinam de fato qual é a norma culta da língua.

E ensinam mais. O trecho polêmico está na pág. 15. Mas bem antes, na pág. 11, os autores já explicam que: "[...] vamos estudar uma variedade da língua portuguesa: a norma culta. [...] Em primeiro lugar, não há um único jeito de falar e escrever. A língua portuguesa apresenta muitas variantes, ou seja, pode se manifestar de diferentes formas. Há variantes regionais, próprias de cada região do país. [...] Essas variantes também podem ser de origem social".

Daí nunca me esqueço da tia Liney, fessora minha de Letras na faculdade. Ela ensinava que pode sim, uai!, falar que "os livro tão em riba das mesa". E explicava que era por causa de uma tal de sociolinguística. Ah... Então a chave para entender a polêmica está na sociolinguística. Existe sotaque caipira e sotaque baiano, os mano da perifa paulistana tão ligado que o gaúcho fala de outro jeito, as mina dos Jardins, tipo assim, falam assado. Não é que haja um jeito certo e um jeito errado, tá ligado? Mas também não é por existir o rap que devemos jogar no lixo as partituras, como diz o escritor Braulio Tavares. É nóis!

(O autor é escritor e editor: lucaspuntelcarrasco@gmail.com)

Fonte: http://jornalcidade.uol.com.br/